Essa foi a pergunta que mais me incomodou durante anos de prática do forró e da dança de salão, eu tinha um certo receio de tocar nesse assunto em um texto formal até que o criador do pé descalço, Rick Resende, me pediu pessoalmente para escrever sobre esse tema. O mais curioso é que ele não me deu nenhum tipo de orientação ou opinião, apenas pediu para que eu falasse sobre. Então que fique bem claro que esse texto é uma opinião pessoal minha. Um professor, que está no Pé Descalço há 10 anos, mas que não detém o poder de falar em nome da escola.
Por mais polêmico que o assunto possa ser não necessita de uma longa discussão e já gostaria de deixar explicitado que SIM, o forró do Pé Descalço é forró de verdade. Alguns pontos da minha opinião acerca desse assunto estão no texto: ISSO NÃO É FORRÓ RAPAZ! Uma Crônica Sobre a Ignorância , mas tentarei, no presente texto, fazer uma abordagem mais formal e direta.
Por quê o Forró do PD é Legítimo?
O forró é uma manifestação cultural popular espontânea, mas o que isso quer dizer? Significa que ninguém inventou a dança do forró formalmente e decretou normas e regras específicas para praticá-la. Desde o princípio o forró foi construído através da livre interação entre os integrantes das festas populares e ao se espalhar pelo Brasil sofreu influência das culturas locais de cada estado ou de cada cidade. É nítido perceber que em cada estado brasileiro se dança forró de uma maneira diferente e ao mesmo tempo todas eles tem similaridades também.
Mas onde o pé descalço(PD) e o seu forró entram nessa história? Bom, é bem simples, o PD é uma escola Belo Horizontina e simplesmente estudou e desenvolveu o forró que já era praticado em BH, de forma estruturada, e não foi a única escola a fazer isto. Assim como os gêneros musicais englobados na festa do forró, a dança sofreu várias influências ao longo dos anos e foi mudando a sua cara sem perder a sua essência. 15 anos atrás quando o Pé descalço surgiu, o forró praticado em belo horizonte já era marcado por movimentações de braço, e a dança afastada já figurava no cenário da capital mineira. Inegavelmente a salsa, a lambada, o samba e outros ritmos geravam influência na maneira de se dançar forró em BH .
Eu me lembro claramente que quando vi as pessoas do pé descalço dançando pela primeira vez, eu não tive a mínima impressão de estar vendo o forró de forma desconfigurada, pois era tudo extremamente similar a todas as minhas experiências prévias com esta dança desde a infância, seja vendo as pessoas dançarem na televisão, nas festas de rua ou no colégio. Ao entrar na escola para fazer aulas eu aprendi movimentações básicas e logo percebi que a combinação das marcações, com os posicionamentos e os desenhos de braço formavam um vasto universo de possibilidades em uma linha clara de progressão de complexidade. Cada nova combinação se embasava em uma combinação prévia mais simples e que impreterivelmente estava ligada àquele começo básico, tradicional e característico.
Críticas destrutivas comuns sofridas pela escola
Os motivos que, na minha opinião, legitimam o forró do pé descalço já foram listados. Agora vou tentar mostrar porquê este texto se faz importante. Menciono aqui o que eu observei nos últimos 10 anos como as principais formas com que as pessoas tentam deslegitimizar o forró do PD.
Ao começar a observar outras danças, é fácil perceber suas marcas no forró que se dança no pé descalço hoje em dia, mas esse fenômeno está longe de ser exclusivo do forró do pé descalço assim como está longe de ser exclusivo do forró. Muitas das pessoas criticam o forró do pé descalço, como se, adaptar para o forró, movimentos mais característicos da salsa, fosse um crime, ao passo que pra essas mesmas pessoas toda a influência do tango e do bolero sobre movimentações do samba, e a influência da lambada no zouk brasileiro, por exemplo, são válidos e enriquecem tais estilos.
Alguém ainda vai dizer que só porque tinham mais de duas pessoas você não pode dizer que é forró! Imagina se quiser dançar sozinho?
Outros criticam o pé descalço por gostarmos de dançar músicas do forró universitário como falamansa e circulador de fulô, bandas que utilizam instrumentos além da sanfona triangulo e zabumba em suas músicas, mesmo seu repertório sendo amplamente baseado na obra de Luiz Gonzaga. Ora, músicas com uma roupagem mais atual tendem a agradar mais o público jovem, que compunha 99% dos alunos do pé descalço. Muitos desses alunos, através das bandas atuais, puderam ir se interessando pelas músicas mais tradicionais aos poucos e entendendo o valor que elas tem na cultura e na história do forró e do Brasil.
Fazem poucos dias eu estava em um forró e ouvi de uma hater (pessoa que odeia algo) do pé descalço a seguinte frase: “forró é só fechar o olho e sentir”, “forró não é ficar fazendo passinho”. Por um momento achei que tinha finalmente encontrado a pessoa que inventou o forró e que decreta as leis do que se pode ou não se pode fazer durante a dança. Ela foi convidada por vários dos meus alunos que estavam comigo na conversa para que ela visitasse o pé descalço para ver se lá só é ensinado a fazer passos sem se preocupar com o par. Ela disse que jamais pisaria o pé na escola. Infelizmente essa não foi a primeira vez que presenciei ou ouvi relatos similares.
Nem o pé descalço ensina a fazer somente passos indiscriminadamente sem se atentar ao seu par, e nem o forró se reduz a fechar o olho e sentir. O forró tem calma e euforia, sentimento e eletricidade, sofrimento e festa, formalidade e excentricidade, abraço apertado e giro afastado, movimento de perna e de braço. Limitar o forró e disseminar um universo limitado de possibilidades é excluir pessoas de diferentes gostos. Pra mim é triste ver que o preconceito das pessoas chegue a tal ponto de considerar que a preferência dela seja uma verdade que torna todos os de preferências distintas pessoas piores, com as quais não se deve interagir.
Foto de 10 anos atrás. Momento raro em que uma dançarina do pé descalço foi flagrada dançando de olhos fechados sentido o par.
Quem conhece a escola de verdade sabe que, por mais que o pé descalço tenha um estilo próprio de dançar, a escola luta diariamente para expandir o forró, fazer com que experiencias positivas através da dança alcancem cada vez mais pessoas independentemente da forma que aquela pessoa dança. E principalmente luta para que os praticantes estejam cada vez mais unidos e saibam valorizar a grande diversidade existente de maneiras e estilos de se dançar o forró. É muito triste ver que ainda tem gente lutando para fazer com que determinado estilo seja mal visto e que determinada escola seja vista como uma escola ruim. Essas atitudes só contaminam a cabeça de quem é novo na cena com preconceitos bobos e enfraquecem todo o movimento do forró.
Imagine se quando, você leitor, começou a dançar, alguém próximo a você tivesse te falado que o forró só se dança de uma única forma e que as outras formas estão erradas ou são piores, são feias ou bregas. Acredito que você teria mais dificuldade de ver o quão amplo e cheio de possibilidades maravilhosas essa dança pode ser. E talvez demorasse mais tempo pra observar o mundo de contribuições trazidas ao forró de tantos lugares, de tantas pessoas, de tantas músicas e de tantas danças diferentes.
Finalizo este texto dizendo da satisfação que é perceber que todo esse preconceito tem se dissolvido e dia após dia ouço mais relatos de pessoas que tinham muito preconceito com o PD, mas quando tiveram um verdadeiro contato com a escola perceberam por si só que o que ela ouvia não passava de mentira ou bobagem. Sinto que os profissionais e os estilos do forró estão mais próximos, dialogando, interagindo e se influenciando positivamente cada vez mais. Volto a afirmar, o forró do pé descalço é forró sim. Assim como todos os outros estilos igualmente valiosos desse vasto e maravilhoso universo presente na cultura Brasileira e cada vez mais forte mundo a fora.
Discorda de algo? Tem algo a acrescentar? Comente o texto e vamos dialogar!!
Muito obrigado pela leitura, deixo o convite para você me visitar em uma de minhas escolas em Belo Horizonte, ou alguma unidade da rede que fez eu me apaixonar pelo forró e pela dança, o Pé Descalço (BH, São Paulo, Santo André, Niterói, Juiz de Fora, Contagem e Londres).
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Amo dançar! Amo forró! PD é tudo de bom! Gratidão! 🙏 🙏
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Sensacional!
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Maravilhoso texto Felipe Raso ! O Pé Descalço é uma excelente escola ! Parabéns aos professores e diretores pelo trabalho lindo e de amor.
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Não sou do pé descalço, mas eles chamam atenção por fazer muitos passos rápidos e talvez isso cause inveja. Os críticas de “haters” apresentadas nesse texto são muito sem noção. Dizer que Falamansa e Circulador não são forró é ignorância extrema e confissão de que não sabe o que é forró. Outra coisa que esses doidos não sabem é que o forró pegou a maioria das figuras de salsa e lamba-zouk, e muita gente tem o gingado brasileiro do samba.
O aspecto negativo que vejo no PD é a falta de musicalidade e é bizarro alguém chegar na preta sem isso. Mas temos que lembrar que escolas pequenas nunca ensinam musicalidade, mas isso deveria ser ensinado numa escola grande.
Não sei falar do estilo da preta, mas a maior parte do que vejo a azul fazendo é forró sim.
A única coisa que acho bizarra no estilo PD é a marcação de 5 tempos, pois ela tira do ritmo e se perde da zabumba. Esse seria um argumento para “desqualificar” o estilo. Mas isso seria mitigado se fizer duas em sequência ou adicionar uma pausa longa logo depois.
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Eu sempre entendi o forró do Pé Descalço como dança de salão, porque o forró nordestino é o rala bucho.
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